Depois de “Laços
fortes e decisões difíceis”, que aborda temas como as viagens pelo mundo e pelo
autismo, “O apanhador de sonhos” é o
segundo romance da autora Graça Jacinto, que foi publicado em março de 2014
pela Folheto Edições.
Este romance conta a história de dois jovens que se
conhecem, tal com tantos outros, através de uma rede social da internet. Acabam
por descobrir que a sua relação não é convencional, e, desafiando a linha do
tempo, compreendem que não estão afastados no espaço mas sim no tempo. Mas o
romance não se limita a uma relação amorosa iniciada nas redes sociais, ele
aborda também temas diversos, tais como a civilização do consumo e do progresso
versus um modelo de sociedade mais
próximo da natureza, representada pelos índios da América do Norte; a religião
católica e os seus dogmas versus
crenças panteísticas como a de “Wakan Tanka”, o “Grande Espírito” índio, ou os
fundamentos do yoga (os Yama e os Niyama); a abordagem de problemas sociais
como as dependências (do álcool, da droga ou do jogo) e, fundamentalmente, o
papel da família no equilíbrio emocional de cada uma das personagens que
constroem o romance, e que nos levam a viajar pelos sonhos, com a presença
constante do apanhador de sonhos (“dream catcher”), pequeno objeto que faz
parte da mitologia índia, mas cuja simbologia acaba por ter um papel
preponderante na história do romance.
“O apanhador de
sonhos” é um romance cujos encontros e
desencontros e temas atuais levam a uma leitura que prende o leitor desde o
início.
Excerto de “O apanhador de sonhos”
“– …os
índios têm um profundo respeito pela natureza, que inclui animais e plantas, e
pelo ser
humano. Acaba por ir de encontro aos princípios que falamos e que, de resto, estão
presentes em todas as religiões. O problema é sempre o mesmo: as pessoas
conseguirem respeitá-los.
– Foi
por isso que deixaste de acreditar na religião?
– Sim, entre
outras razões. Sabes que se todos os seres humanos cumprissem estes princípios,
viveríamos muito melhor e seriamos muito mais felizes.
– Sim,
tens razão. Se todos cumprissem estes princípios, o mundo seria muito melhor.
– E tu,
pelos vistos, continuas a acreditar na religião. Nunca te sentes tentada a
abandoná-la?
– Não.
Tenho uma fé em Deus que, pelo menos até agora, tem sido inabalável. E na religião,
como em tudo na vida, há pessoas boas e pessoas más e eu acredito profundamente
nas pessoas boas e tento fazer parte integrante do mundo delas.
– E
sentes-te bem assim?
– Sim,
sinto-me em paz e gosto de cumprir os rituais da igreja, fazem-me sentir muito
bem espiritualmente. Já sei que esta conversa não serve para ti, porque não
acreditas em nada disto, certo?
– Certo.
Lamento, mas assim penso.
– E
porquê?
– A ganância
dos homens leva-os a não conseguirem cumprir nenhum destes princípios e o mais
grave é que, na maioria das vezes, agem em nome de Deus, ou pelo menos de um
deus que eles próprios criaram e que pressupõem ser o Deus verdadeiro, aquele
por quem todos rezam. Foi sempre assim ao longo da história e esta foi a
principal razão que me levou a deixar de acreditar na religião.
– Afinal,
não acreditas nas religiões ou em Deus?
– Se Deus
existisse realmente, deixaria os homens andarem nestas lutas constantes,
deixaria haver tanta gente a sofrer, deixaria que eu ficasse sem pai tão cedo e
passasse por tudo o que passei?
– Não
te deves lamentar pela vida que tiveste e não deves culpar Deus por todo o mal
que te aconteceu nem por todo o mal que existe no mundo, André. Pensa bem, Deus
deu liberdade aos homens e eles deveriam usá-la da melhor forma possível, mas
não usam.
– Pois,
realmente não concordo contigo nem acredito nisso.
– E eu
tenho muita pena porque nos regemos por princípios idênticos e poderíamos
entender-nos bem…
– Ora essa,
nós entendemo-nos bem de certeza absoluta. Entendermo-nos nada tem a ver com
religião, mas sim com nós próprios e com os nossos princípios.” (pág.167)
Graça Jacinto nasceu em
1965 na aldeia de Chão da Parada, situada na freguesia de Tornada, no concelho
de Caldas da Rainha, a poucos quilómetros do mar. Tirou o curso do Magistério
Primário, licenciou-se depois em Estudos Portugueses e Ingleses e, mais tarde,
especializou-se em Educação Especial nos Domínios Cognitivo e Motor. Está
integrada no ensino há mais de um quarto de século, profissão que a levou, ao
longo dos anos, a fazer as malas e a percorrer vários pontos de norte a sul do
país. Desenvolve atualmente a sua atividade profissional como docente de
Educação Especial no Agrupamento de Escolas Domingos Sequeira, em Leiria, com
um grupo de jovens adolescentes com autismo. A leitura, a escrita, as viagens,
dança e o yoga estão entre as atividades de eleição para ocupar os seus tempos
livres.
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